Para Ives Gandra Martins, projeto de Lei Geral da Copa vai contra Constituição e diversas leis estaduais e municipais, além do Estatuto do Torcedor e do Idoso.
O presidente do Conselho Superior de Direito da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), Ives Gandra Martins, avalia que o Projeto de Lei Geral da Copa apresenta um conjunto de propostas que rompe com diversos princípios estabelecidos na Constituição Federal, leis gerais de Estados e municípios, Estatuto do Idoso e Estatuto do Torcedor.
Formado por 46 artigos, que tratam das últimas quatro das 11 garantias feitas à Fifa para a realização da Copa das Confederações, em 2013, e da Copa do Mundo da Fifa, em 2014, no Brasil, o projeto da Lei Geral da Copa foi enviado ontem ao Congresso Nacional pelo governo federal.
O texto abrange permissões de entrada e saída no País, acesso a documentos de trabalho para estrangeiros no período do evento e a estabelece um novo regime de indenizações. Impõe, ainda, critérios de proteção e exploração de direitos comerciais e condições em que deverão ser feitas a transmissão e retransmissão do Mundial. De acordo com o Capítulo IV do PL, a União assumirá os efeitos da responsabilidade civil perante Fifa, seus representantes legais, empregados ou consultores por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de algum incidente ou acidente de segurança relacionado aos eventos. Isso vai contra, segundo Gandra, por exemplo, o que diz o artigo 14 do Estatuto do Torcedor, que indica a responsabilidade da entidade detentora da prática esportiva do mando de jogo e de seus dirigentes, responsabilidade esta objetiva, que vai muito além da culpa ou do dolo.
Ele observa, por exemplo, que em todas as ações contra a União há um imenso conjunto de recursos, envolvendo análise de tribunais superiores, e, mesmo quando se ganha a ação, a vitória leva ao governo a emitir um precatório como forma de pagamento. “O cidadão, ao ganhar, terá que esperar a entrada em um precatório que apenas seria pago no exercício do ano seguinte, o que vale dizer, no último dia, pelo artigo 100 da Constituição”, explica.
Segundo Martins, poderá haver contestação sobre essa transferência de responsabilidade do realizador do evento (Fifa e outras organizações) para a União. “Aquele que vier a ser lesado vai alegar a inconstitucionalidade da lei, quando se transfere a responsabilidade de quem praticou o ato para a União que não praticou, poderá alegar que está dificultando consideravelmente a recepção da indenização a que teria direito se viesse a ser lesado por algum ato dos organizadores.”
Outro dado grave é o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) criado para manter sigilo nas licitações dos gastos do poder público para as obras da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Em sua última reunião, ocorrida na semana passada, o Conselho Superior de Direito da FecomercioSP debateu o assunto e foi unânime em entender que o RDC não pode permitir gastos irracionais com recursos do contribuinte. “O governo é apenas administrador dos nossos tributos e entendemos que esse regime é inconstitucional”, observa o jurista.
Lembra Martins, ainda, que um dos cinco princípios fundamentais da administração pública é o da transparência, citado no artigo 37 da Constituição, que exige que tudo seja colocado em aberto e que não se mantenha licitações em sigilo.
Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) será proposta pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a lei que criou o RDC. O detalhe é que esse regime não foi uma exigência da Fifa. “O Brasil foi escolhido em 2006 para sediar a Copa do Mundo e ficou cinco anos sem fazer nada ou fazendo obras apenas preliminares. E agora diz que há um regime de urgência para os últimos três anos, quando eles tiveram cinco anos para fazer praticamente tudo”, alega Martins. “Às vezes, tem-se a impressão de que isso pode estar facilitando superfaturamentos, porque no momento em que se tem um controle menos rígido das despesas governamentais para fazer com maior rapidez, evidentemente está-se facilitando superfaturamentos e dificultando os controles pelo Tribunal de Contas”, sustenta.