Data: 10/02/2003
Fonte: Revista Dialética de Direito Processual, n. 2, ago/2003. p. 113-125 Revista Forense, v. 376. p. 191-203 – separata Revista dos Tribunais 100 anos. Prescrição, decadência e prova. São Paulo: Ed. dos Tribunais, 2011, Vol.5, p. 349-369
Consulta:
“1 – As consulentes, integrantes da RIPC – Rede de Informações e Proteção ao Crédito, prestam serviços de proteção ao crédito. São grandes bancos de dados, contínua e constantemente alimentados por informações de inadimplemento de seus usuários, seja através de inclusões (negativação de um nome antes regular) ou de exclusões de nomes, fato que sucede quando o devedor quita débitos ou renegocia contratos. As principais fontes de alimentação advêm das empresas e financeiras, quando do descumprimento de contratos de compra e venda a prazo (o popular crediário) ou de financiamento ao consumidor ou pessoa jurídica.
Ao mesmo tempo, esses associados-usuários consultam a base de dados, diariamente, aos milhares por minuto, em momento prévio à realização de negócios.
Um outro banco de dados relativo a cheques é alimentado de negativações oriundas do CCF – Cadastro de Emitentes de Cheques Sem Fundos do Banco Central do Brasil, e subsidiariamente dos próprios associados (bancos comerciais, comércio, administradoras de cartões de crédito, financeiras).
PRESCRIÇÃO
2 – Com o advento do novo Código Civil surgiu uma ponderável dúvida sobre a prescrição dos títulos de crédito. O novo art. 206, parágrafo 3º dispõe que “prescreve, em três anos: VIII – a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial”.
Por sua vez o Código de Defesa do Consumidor declara, no art. 43 o seguinte: “§ 1º – Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros…, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos”. E noutro importante parágrafo disciplina que: “§ 5º – Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações…”.
3 – Por sua vez, sob o regime do CC-1916 e leis especiais, a prescrição da execução do cheque é de 6 meses (mais 30 dias para apresentação), daí contando mais dois anos para a ação de enriquecimento (art. 61 da Lei do Cheque nº 7.357/85). São “ações cambiais” na lição do prof. Fábio ULHOA COELHO (Curso de Direito Comercial, já atualizado – v. 1 Saraiva, p. 448/9). A jurisprudência é pacífica sobre a possibilidade de cobrança da dívida exteriorizada pelo cheque através de ação ordinária, ou mesmo monitória (ações causais) obedecida a prescrição desses procedimentos gerais hoje em dez anos. Com isso, atualmente, quase ninguém questiona que não está “consumada a prescrição para “cobrança” senão após 10 anos, donde na prática as consulentes mantêm a informação até o limite de 5 anos do parágrafo 1º do art. 43 do CDC.
Essa tese poderá sofrer abalo – em relação aos cheques – se os Tribunais vierem a adotar uma interpretação mais benigna pró-consumidor, como retirar a possibilidade de qualquer outra via para “haver o pagamento” de títulos de crédito após três anos, embora a ressalva do inciso VIII do § 3º do art. 206 a propósito de leis especiais.
ATO JURÍDICO PERFEITO
4 – Ainda, por argumento, na hipótese de interpretação pró-consumidor, haveria a discutir a séria questão de direito intertemporal, sobre os efeitos do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, guindado a princípio constitucional através do “Art. 5º – XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Poderá a nova lei alcançar as situações pretéritas, o ato jurídico perfeito, mais exatamente os atos ou negócios jurídicos já realizados, no caso entre os associados da RIPC e os milhões de consumidores? Sob esse prisma, o CC-2002 se aplicaria para novos negócios jurídicos e a prescrição trienal vigoraria a partir de 11.01.2006 (vide art. 2.035 do novo Código).
5 – Ainda de modo mais circunscrito, a consulta indaga a V. Sª. sobre a aplicação do art. 2.028 do CC-2002 (“Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”). Não se discute que, pelo CC-1916, se reconhece a possibilidade de cobrar títulos de crédito pela via ordinária ou monitória.
Num recente trabalho versando exatamente o tema “A Redução dos Prazos de Prescrição e o Novo Código Civil”, o juiz Janio de Souza Machado (Revista dos Tribunais 805/20) critica a falta de clareza do art. 2.028, o fato da “oração não estar construída na ordem direta e sem o recurso de pontuação… de caráter estilístico”, e se permite reti-redigir a idéia do art. 2.028: “Os prazos que foram reduzidos por este Código serão os da lei anterior se na data de sua entrada em vigor já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”.
6 – Resumindo, o parecer versaria sobre a aplicação da lei no tempo, isto é, como ou quando o art. 206, § 3º, VIII do CC-2002 teria eficácia? Se tomarmos a “barra de corte” dos 5 anos, ou seja, darmos por sediço que o prazo atualmente é qüinqüenal (não há porque rediscutir isso), e considerarmos que agora houve redução para 3 anos, teríamos que, em relação a um cheque (ou outro título de crédito), por exemplo:
(a) emitido em 11 de janeiro de 2000 já teremos decorrido 3 anos, e como “já transcorrido mais da metade do tempo”, seria aplicável a lei anterior, donde há mais 2 anos normalmente para cobrança;
(b) emitido em 11 de janeiro de 2002 já teremos decorrido 1 ano, donde aplicável a lei nova, com mais dois anos até 11.1.2005;
Essa exegese aparentemente é irrespondível. Todavia, há uma pequena brecha nessa rocha. Tomemos um último exemplo:
(c) um cheque emitido aos 11 de agosto de 2001, há 2 anos e 5 meses, portanto sob regência do CC-2002, que a princípio terá apenas mais 7 meses para cumprir os 3 anos!
Isso nos leva à contradição de que o cheque de 11.8.2001, mais novo, teria prazo menor do que o emitido há mais tempo (no exemplo o de 11.Janeiro.2000). Donde a conclusão única de que, quando aplicável o prazo do CC-2002, o prazo se conta a partir da entrada em vigor da nova lei. O Código Civil Português, nesse ponto, foi mais previdente do que o civilista nacional. Seu art. 297º dispõe: “1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
7 – Como superar essa, digamos, imprevidência da nova lei civil brasileira? Parece-nos que o sentido e a finalidade do art. 2.028 é proteger o direito adquirido e o contrato perfeito por um determinado prazo após a vigência do novo CC-2002. Se esta interpretação estiver correta, os prazos com “menos da metade” do tempo já transcorrido, começariam a contar 3 anos a partir de 11.1.2003.
Não parecerá ao caro mestre que o art. 2.028 pretende exatamente aplicar um ou outro dos prazos, mas jamais interrompendo abruptamente – com uma espécie de “machadada” jurídica – a expectativa do credor de cobrar sua dívida, pelo menos segundo o prazo menor que lhe restava? Ou ao contrário, o prazo prescricional (e conseqüentemente o dever de dar baixa do cadastro) atingiria cheques porventura emitidos em 11 de janeiro de 2000 (donde 3 anos depois, a 11.1.2003, deveriam ser baixados), e a cada dia seguinte, outros tantos cujo triênio se completará em seguida?”.
Outras Informações:
Autor: Martins, Ives Gandra da Silva
Número do parecer: 0525/03
Publicado: sim
Descritores:
Serviços de proteção ao crédito
Banco de dados – Consumidores
Prescrição dos títulos de crédito
Cheque
Defesa do consumidor
Credor
Contratos
Prazo prescricional
Princípio da insonomia